De grande complexidade técnica , devido às solicitações operacionais, de segurança e conforto ambiental, o novo terminal de passageiros do Aeroporto Internacional Guararapes, no Recife, é referência em soluções arquitetônicas, conjugadas a sistemas com tecnologia de ponta.
Em função do crescente fluxo de vôos domésticos e internacionais, a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária ( Infraero ) vem implantando um programa de atualização e expansão de seus aeroportos. Faz parte desse planejamento a construção de terminais em regiões onde se identifica potencial para crescimento turístico ou de viagens de negócios, como é o caso do Aeroporto Internacional Guararapes.
Construído em 1958, ele foi reformado pela primeira vez em 1981, quando passou a ser a porta de entrada do turismo internacional no Nordeste , devido a sua localização geográfica, em meio às rotas do Atlântico sul. Hoje, dos aeroportos administrados pela estatal Infraero, 31 são internacionais, cinco deles no Nordeste (em Salvador, Maceió, Natal, Fortaleza e Recife).
O programa de modernização e recapacitação do complexo aeroportuário do Recife foi executado em três etapas . Orçada em 300 milhões de reais, a obra envolveu a construção de um terminal com 52 mil metros quadrados para atender a 5 milhões de passageiros por ano; um conector de 550 metros de extensão, com 11 pontes de embarque; o acréscimo de 305 metros aos 3 mil metros da pista de pouso e decolagem.
Também foram executados a ampliação do pátio de aeronaves, para receber simultaneamente 26 aviões (do tipo B 737-800) e a criação de edifício-garagemcom 72 mil metros quadrados.
No total, são cerca de 124 mil metros quadrados de área construída, em terreno de 193 538,91 metros quadrados.
O edifício do terminal de passageiros é uma lâmina de 270 metros por 70 metros de largura , com o conector e as pontes de embarque na face oeste, voltada para o pátio de aeronaves.
O edifício-garagem, com geometria perimetral em níveis escalonados de baixo para cima, possui efeito de esplanada, com vegetação nas bordas, e evidencia a praça Salgado Filho, projetada por Burle Marx no final da década de 1950.
Entre as exigências apresentadas pela Infraero e atendidas pelo projeto arquitetônico de Ubirajara Moretti, era prioritário resolver as questões deconforto ambiental , principalmente no conector, disposto em área de grande insolação, e derefletividade dos vidros na área da pista de pouso.
A posição transversal (norte/sul) do terminal de passageiros e o edifício-garagem escalonado devem-se à geometria irregular do sítio, limitada pelo pátio de aeronaves a oeste, pela movimentada avenida Mascarenhas de Moraes a leste, pelo antigo terminal em operação ao sul e pela área industrial e terminais de cargas ao norte.
O terminal foi construído com estrutura de concreto e fachadas vedadas com panos de vidro inclinados, inseridos sob beirais que se prolongam da cobertura. Possui pavimento térreo, pisos de embarque e desembarque, andar intermediário técnico, praça de alimentação e mirante.
Segundo Moretti, a inclinação negativa das fachadas garante a iluminação natural com baixa insolação direta no ambiente e, numa perspectiva interna, proporciona a sensação de espaço ampliado, evitando ainda o contato direto do usuário com o vidro.
Sob consultoria do engenheiro Igor Alvim , da QMD, a Alcoa desenvolveu perfis especiais para asfachadas structural glazing , executadas pela Pórtico. Para auxiliar na redução do ruído produzido pelas aeronaves e transmitido para o interior do terminal, foram adotados perfis de alumínio, preenchidos internamente com lã de vidro, e vidros laminados de 14 milímetros.
Com essa solução, foi possível reter entre 40 e 45 decibéis do ruído na área interna – há aeronaves que chegam a produzir cerca de 110 decibéis.
As fachadas foram montadas em módulos com vidros encaixilhados com gaxetas de EPDM e vedados com silicone de cura neutra. A instalação dos caixilhos requereu estrutura metálica auxiliar, composta por colunas tubulares e vigas horizontais. Furos oblongos permitem os ajustes vertical e horizontal dos módulos.
Para a condução da água pluvial foram adotados sistemas de calhas entre a fachada e o conector. Os painéis de vidro foram instalados com o auxílio de ventosas pneumáticas.
Concebidas a partir do primeiro pavimento, com pé-direito de 7,50 metros , as fachadas leste e oeste, voltadas respectivamente para a área do edifício-garagem e para o conector, possuem aproximadamente 15 metros de altura e apresentam, a partir de seu eixo vertical, inclinações negativas de 30 graus.
As faces laterais norte e sul receberam dois tipos de revestimento: na parte inferior, painéis de alumínio; na parte superior, fachada de vidro structural glazing, com inclinações negativas de 15 a 20 graus. No trecho composto por alvenaria, com 11 metros de altura, o painel de alumínio, fixado numa estrutura metálica auxiliar, está afastado 80 centímetros da parede do edifício.
Nesse espaço criou-se uma espécie de shaft para passagem de tubulações e dutos do sistema de ar condicionado e exaustão.
As fachadas de vidro são formadas por dois arcosque se encontram nas extremidades, tendo formato semelhante ao de um olho , com quatro metros de altura no eixo central.
Conector com vidros triplos
A concepção do conector atende ao programa proposto pela Infraero, que prevê a distribuição do fluxo de passageiros das áreas de embarque e desembarque em dois pisos. Ao longo de seus 550 metros de extensão , dos quais foram construídos 400 metros, estão previstas 11 pontes de embarque (fingers), sete delas já em operação (a obra deverá estar concluída no primeiro semestre de 2005).
O conector tem a forma de um prisma hexagonal com base plana e 13,65 metros de altura, apoiado em pórticos e pilares metálicos. Para atender às necessidades de conforto térmico, em área exposta a elevados índices de incidência solar, foram especificados diferentes tipos de vidro para seu fechamento – triplos, insulados e laminados, dependendo da solicitação de cada uma de suas faces.
Segundo Moretti, a geometria adotada no conector simplifica sua modulação estrutural, evita a insolação direta e impede a reflexão dos vidros, devido à disposição das faces em ângulos e extensões. Sua parte superior é formada por duas águas : uma externa, voltada para a pista de pouso, e outra interna, no lado do terminal de passageiros.
No período de maior incidência solar – entre 11 e 15 horas -, o sol transita sobre o conector, aumentando a carga térmica. Para reduzir a incidência solar, o arquiteto adotou duas soluções .
A primeira foi manter 280 metros de extensão da água interna do prisma sob o beiral da cobertura. Nessa face foi utilizado vidro insulado de 28 milímetros (laminado interno de oito milímetros + câmara de 12 milímetros + temperado externo de oito milímetros).
E a segunda foi desenvolver, em parceria com a Santa Marina, um vidro triplo , instalado na água externa e nas áreas fb ora da projeção da cobertura – 180 metros para o lado sul (a ser construído 150 metros) e 90 metros para o norte. Nas laterais, submetidas a menor exposição da luz solar, foram utilizados vidros laminados de 14 milímetros cinza.
O vidro triplo foi desenvolvido para exercer a mesma função do refletivo – barrar a entrada de calor no ambiente interno -, mas sem produzir reflexão, que poderia interferir na visão dos pilotos.
Trata-se de um painel de 35 milímetros, composto por um temperado externo cinza de oito milímetros + câmara de oito milímetros com tela metálica perfurada de dois milímetros + vidro incolor de cinco milímetros + câmara de seis milímetros + vidro laminado interno incolor de seis milímetros.
Colada com fita adesiva dupla, no vidro incolor interno, a chapa metálica foi perfurada em ângulos de 30 graus para funcionar como um brise interno, protegendo o interior do conector da incidência solar. Com fator solar de 0,17, o vidro triplo chega a barrar aproximadamente 85% de energia e possibilita a luminosidade do ambiente, evitando o aspecto de caixa fechada.
A estrutura metálica do conector recebeu perfis tubulares de aço SAC 41 com nós parafusados nas juntas, compondo estrutura treliçada. Sustentada por pórticos metálicos a cada 15 metros, a treliça foi montada nas faces laterais em módulos de 30 metros, compostos por pequenas partes de 2,50 metros. Conforme o coordenador de projetos da ATP Engenharia, arquiteto Gustavo Sales, como os módulos exercem trabalhos independentes, na transição entre eles foram adotadas juntas de dilatação, feitas com chapas de alumínio intercaladas com manta de lã de rocha e vedadas com silicone.
O conector está apoiado em pilares metálicos dispostos a cada 30 metros . Com 4,50 metros de altura, esses pilares possuem base de concreto e perfis metálicos de seção I. Para a instalação das esquadrias, produzidas com perfis especiais de alumínio, a partir de matrizes desenvolvidas exclusivamente para a obra, foi necessário adotar uma estrutura auxiliar, que tem regulagem espacial para possibilitar ajustes dos caixilhos à estrutura principal, nas posições vertical, horizontal e de nível.
O sistema auxiliar foi fixado à estrutura principal por braçadeiras metálicas, isoladas por anel de neoprene, para evitar transmissão de vibração.
Igor Alvim explica que, para assegurar aestanqueidade do conector e impedir o contato entre as placas de vidro, a cada 50 metros existe uma junta-calha de 15 centímetros. Trata-se de uma composição de calhas sobrepostas e vedadas com mantas silicônicas e silicone.
Entre os vidros, adotaram-se uma junta de silicone e uma calha de drenagem, para escoar a água que passar pela vedação externa.
Os fingers seguiram o mesmo conceito de estrutura metálica e vedação do conector. Perfis de seções retangulares e quadrados com faces treliçadas formam uma caixa revestida com vidros laminados de 14 milímetros não refletivos, cinza, nas laterais, chapas de aço inoxidável na face superior e piso metálico. A parte móvel das pontes de embarque são modelos em vidro cristalizado , construídos na Espanha para os aeroportos de Zurique, na Suíça, e do Recife.
Mosaico de vidro
No edifício do terminal de passageiros, a cobertura é composta por uma lâmina curva , tendo em sua área central um elemento em forma de elipse que se projeta perpendicularmente ao plano da cobertura.
Com seu desenho associado ao formato de umabarca , esse volume é composto por duas laterais envidraçadas em ângulo reverso – uma voltada para o leste e outra para o oeste -, que se encontram nas extremidades, e pela face superior vedada com telha tripla, tendo ao centro uma clarabóia .
Segundo o engenheiro Jeferson Luiz Andrade, diretor técnico da Andrade Rezende Engenharia de Projetos, o principal desafio no desenvolvimento da cobertura foi a adequação das estruturas metálicas às formas arquitetônicas definidas pelo projeto.
A estrutura da cobertura é constituída por pórticos treliçados horizontais, dispostos a cada 15 metros, que sustentam vigas e terças posicionadas transversalmente. Inserida na estrutura metálica da cobertura, a barca é contornada pelos pórticos treliçados.
Fora da área central, ocupada pelo revestimento de vidro, as treliças são contínuas e ultrapassam o beiral da face leste. A estrutura é uma grelha espacial apoiada em tirantes metálicos, que convergem para pilares de concreto. Em cada pilar, revestido com chapas de alumínio ou pastilhas cerâmicas, foram fixados, através de chumbadores, quatro perfis inclinados. Produzida com perfis de aço patinável, a estrutura metálica recebeu tinta epóxi de alta espessura, com acabamento em poliuretano.
O volume em forma de barca tem 90 metros de extensão, 12 metros de largura no seu eixo central e alturas de sete metros, no centro, e quatro metros, nas extremidades. Perfis de aço seção I, com pintura epóxi azul-claro, compõem sua estrutura principal. Para a instalação dos vidros nas clarabóias adotou-se estrutura auxiliar de alumínio , produzida com perfis tubulares com acabamento anodizado na cor preta.
Inclinadas negativamente e longe da visão dos pilotos no momento em que as aeronaves se aproximam da pista de pouso, as faces laterais da barca são os únicos panos envidraçados que receberam vidro laminado refletivo de 14 milímetros prata. São peças de alta reflexão, que também auxiliam no desempenho térmico.
A face superior da barca foi vedada com telhas triplas trapezoidais de aço galvanizado , também utilizadas na lâmina curva da cobertura. São constituídas por lâminas de alumínio, intercaladas por manta de lã de rocha, sendo a folha de alumínio voltada para o interior do ambiente uma telha microperfurada. Essa composição reduz a reverberação interna, equalizando o som com mais facilidade, além de reter o calor, auxiliando no desempenho térmico.
O mosaico central da barca recebeu vidros nacionais e importados . Vindo da Holanda, o laminado SKN 32 de 14 milímetros, em tom esverdeado, possui fator solar de 0,23. A baixa reflexão e a alta transmissão de luminosidade fazem do SKN um vidro seletivo, que permite a passagem de luz e barra a entrada de calor.
O engenheiro Carlos Carante, da Santa Marina, explica que, por ser importado, esse laminado temcusto elevado , o que levou a uma solução conjugada à utilização de um tipo de vidro insulado de fabricação nacional de 28 milímetros, com a seguinte composição: temperado cinza externo de oito milímetros + câmara de 12 milímetros + laminado incolor interno de oito milímetros, com fator solar de 0,38 e desempenho térmico próximo ao do SKN.
Para a vedação da clarabóia elíptica, as juntas dos painéis de vidro do mosaico são de silicone monocomponente. Nas interfaces da telha com o vidro do mosaico e vidros inclinados, adotou-se um sistema de rufos e contra-rufos feitos com chapas de alumínio.
Na parte inferior das faces verticais, no encontro da telha com o vidro, foi utilizado um perfil de alumínio em L. “As soluções de vedação usadas nas interfaces dos materiais são um novo conceito, desenvolvido para garantir os requisitos de estanqueidade ao ar e à água e minimizar manutenções futuras”, comenta Igor Alvim.
A exemplo da obra de Guararapes, os projetos de novos aeroportos e de ampliação dos já existentes mostram a tendência de busca de elementos que expressem identidade local , incorporando características da região em que se localizam.
Mas soluções arquitetônicas, técnicas e funcionais, como a adoção de sistemas com elevada eficiência energética , são repetidas em outros projetos, segundo o engenheiro Ernesto Camarço, gerente de obra da Infraero.
de Gilmara Gelinski
Publicada originalmente em FINESTRA
Edição 39 Dezembro de 2004